Revista Diário - 10ª Edição - Setembro 2015

Revista DIÁRIO - Setembro 2015 - 14 ViverBem DoutorCláudioLeão, clínico geral Doutor Cláudio Leão, Clínico geral e coordenador da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital São Camilo. O andar do caranguejo Até ummonstro antigo precisa de umnome. Nomear uma doença é descrever certa condição de sofrimento–é umato literário antes de ser umato médico” (SiddharthaMukherjje, médico e escritor indiano, 2011) “ A gente morre é pra provar que viveu”, dis‐ cursou Guimarães Rosa na Academia Bra‐ sileira de Letras. Não demorou muito e o autor de “Grande Sertão: Veredas” sucumbiu com um infarto do coração. Por fora do verbo roseano, mas dentro da ciência, existem doen‐ ças letais bemdefinidas, explicadas desde a sua gênese. A ciência se espicha pra desvendar seus mistérios: câncer, transfigurado pela imagemdo caranguejo, é uma delas. A morte tece o fim da vida a partir do em‐ brião e a tendência, hoje, é de morrermos mais da velhice emenos de infarto, guerra e infecção, como no caso da peste negra, gripe espanhola e tuberculose. Agora surge o câncer. No passado quase não se diagnosticava, mas hoje já é a se‐ gunda causa de morte, em consonância, por es‐ tarmos vivendo mais. Efetivamente é doença apavorante. A ciência já andou pra frente, pra trás, pro lado; foi do nada pra lugar nenhume zanzou tal como o andar do caranguejo – paradoxalmente, a imagem literária dessa doença monstro. Foramgastos enormes empesquisa e resul‐ tados pífios. Ohomem já pisou na Lua, aprontou guerras, construiu navios, mas não saiu do lugar. Sorte que não cansou , só pegou fôlego: cami‐ nhar nomangue até enlameia, mas dá sustância. A ciência não aceita, busca, investiga, pesquisa, consome dólares enquanto enterra seus filhos. O câncer tem origem nos genes: Genética – que é diferente de hereditariedade. Soube pela leitura de “O imperador de todos os males – uma biografia do câncer”, do indiano Siddhartha Mukherjee. Diz que descobrimosmuito tarde as raízes do câncer e ribombamos muito cedo ba‐ las de canhões em busca da cura, sem apontar para os genes. Não é livro destinado pramédico, mas talvez fossemaravilhoso se osmédicos les‐ sem. Ousaria em sugerir outro nome para o li‐ vro: “O andar do caranguejo”. Siddhartha vive nos EUA, e se transformou embest seller porquemergulhou na história do câncer, como Guimarães Rosa trotou na via ser‐ taneja, a espiar a morte como estrofe final da poesia da vida. Siddhartha recolheu mais es‐ combros que pérolas – de uma doença com marcas indeléveis. Tudo isso por não entender o seu habitat: o núcleo das células. Os genes. O genoma. “O câncer é de fato um fardo construí‐ do emnosso genoma. O contrapeso das nossas aspirações de imortalidade. O livro foi Prêmio Pulitzer de Literatura em 2011. Tenho esperanças, muitas, mesmo sabendo que se negligenciou a microviagem até o núcleo da célula. A ciência paga caro por esse desleixo. Ainda volto a falar deles: o livro e o monstro que começam a mudar de feição pelo cinzel da ciência. Vale a pena falar, ape‐ sar do tema rastejante, pois o futuro é pro‐ missor, esperançoso. (Colaboração: Roger Normande) ●

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