Revista Diário - 10ª Edição - Setembro 2015
Q uando surgiu o jogo? No momento emque surgiu o homem. Os segredos da sorte, o jogo da vida, do corpo, da alma estão no homem. O mais moderno e excitante é o da Bolsa, caótico, barulhento, histérico, cheio de gestos, telefones e balbúrdia, em que participam visíveis e invisíveis, na mesa de operação e nos mais altos cená‐ culos de decisões. Sua invenção cibernética é do século passado e estruturada emavançadas tecno‐ logias de computador e meios de comuni‐ cação. É tão sofisticado, porque, jogado no mundo inteiro, caminha como fuso horário, gira coma Terra e envolve apostas cósmicas e danos fenomenais. Pode ser jogado, tam‐ bém, nos computadores programados para processar variáveis e oportunidades. Meu avô dizia que os vícios do homem eram cinco: beber, fumar, tomar rapé, jogar e gostar de mulher. Não sei por que testemunhava que já vira pessoas que aban‐ donavam quatro desses prazeres, mas nunca conhecera ninguém que abandonasse o vício de jogar. É o único que não é atingido pelas restrições da idade e da saúde, como os outros. O Brasil globalizado não escapa da festa. Joga‐se na loteria. Joga‐se na Super Sena, na Mega Sena, na Sena, na Quina, na Loto, no Bicho, na Loteria, na raspadinha, nos bingos, na televisão, em casa, na rua, no trabalho, em certas igrejas e até na compra de produtos. Se tanto não bastasse, ainda querem abrir os cassinos, como se já não tivéssemos tudo de um grande cassino. Cada jogo tem uma justificativa. A abertura dos cassinos é neces‐ sária para a criação de empregos (sic!). O poeta Correa de Araújo, grande par‐ nasiano do Maranhão, desenvolveu‐me certa vez a teoria de que o jogo do bicho fora inventado por Deus, para acudir a po‐ breza, e não pelo barão de Drumond, para ajudar o zoológico. Assim, o Criador fazia o pobre sonhar, e do sonho vinha o palpite, e do palpite, o ganho que o socorria em dias de dificuldade. Genolino Amado tam‐ bém contava na Academia o caso de sua empregada que ganhou uma bolada no nú‐ mero 380. E lhe disse que foi Deus que a iluminara. Ao sair de casa, meteu o pé num buraco e imediatamente desvendou o pal‐ pite: buraco é zero e ela calçava 38, ficou fácil compor o 380 e acertou no milhar. É o pecado do Santo Nome em vão. Cervantes, nas “Novelas Exemplares”, conta a história de dois espertos, Cortado e Rincón, que eram exímios na “ciência vilhanesca”, assim chamada porque atribuíam a um desconhecido Vilhán a descoberta do jogo de cartas. Eram tão hábeis que, em poucos minutos, entre tra‐ móias e habilidades, ganhavam “dois reais e vinte e dois maravedis”. Comparando com o jogo da Bolsa, é um fóssil lúdico, coisa de anjo e cheira a mofo. Einstein, o homem da relatividade, afirmou, quando descobriu as regras imutáveis das leis físicas que gover‐ namo universo, que “Deus não joga dados”. Pois, hoje, com o mercado financeiro neoliberal globalizado, somente Ele escapa de fazer sua aposta. O vício do jogo serviu nos pri‐ mórdios para encher o ócio, ocupar o tempo e, agora, é um tormento capaz de destruir economias e nações, com o mais moderno deles, o jogo da especulação financeira, ou melhor, a “ciência soronesca”, de Soros, o filósofo. ● Revista DIÁRIO - Setembro 2015 - 28 Senador daRepública JoséSarney ARTIGO É que as leis físicas são imutáveis, ciências exatas. As outras ficam ao sabor da sorte, que agora não está muito para a nossa roleta. Ex-presidente do República, senador pelo Amapá, Membro da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa;escreve no Diário do Amapá, todos os domingos Aarte de jogar dados
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