Revista Diário - 15ª Edição - Abril 2016

M il novecentos e sessenta e sete foi um ano mar‐ cante para a medicina mundial. Nesse ano, o ci‐ rurgião Christian Barnard fez o primeiro trans‐ plante de coração, dando início à grande saga desse tipo de cirurgia que se espalhou posteriormente para outras modalidades. Seu paciente era Louis Washkansky, 54 anos, dono de uma mercearia que sofria de insuficiência cardíaca congestiva. Washkansky recebeu o coração de uma jovem, Denise Darval, morta emacidente de trânsito. Ele viveu 18 dias, e faleceu de pneumonia, em consequên‐ cia das drogas imunossupressoras que estava ingerindo. “Para uma pessoa que esteja morrendo, um transplante não é uma decisão difícil. Se você é perseguido por um leão e correr para um rio cheio de crocodilos, pulará na água acreditando que tem chance de nadar até o outro la‐ do. Mas você nunca pensaria em fazer isso se não tivesse que fugir de um leão”, pensava Christian. Dois desenvolvimentos fundamentais tor‐ naram possível o avanço em transplantes. O primeiro foi uma descoberta de Karl Lan de di‐ ferentes grupos sanguíneos, em 1900; o se‐ gundo foi a técnica de sutura de fina de Alexis Carrel, pois permitia transplante experimental usando rins de animais. Os transplantes se tornaram con‐ fiáveis e bemsucedidos quando o pro‐ blema da rejeição de enxertos de te‐ cido foi resolvido. Um dos pioneiros nesse campo foi o pesquisador inglês Peter Medawar, que descobriu durante os anos 1940 e 1950 que os enxertos de órgãos eram rejeitados por uma respos‐ ta do sistema imunológico. Com essa pesquisa, ele dividiu o PrêmioNobel deMedicina, em1960. Esse conhecimento preparou o terreno para a desco‐ berta de drogas imunossupressoras, que preveniamque as células brancas do sangue do receptor atacassem o tecido doado. Oprimeiro transplante bemsucedido de umdoador morto foi umreceptor renal que viveu 21meses, em1962. Outros transplantes vieram rápidos depois como o de fí‐ gado e pulmões em 1963; o de pâncreas, em 1966, e o ou‐ trora intocável coração, em 1967. Nem todos os procedimentos tiveram sucesso, sendo que em alguns os receptores só sobreviveram alguns dias, mas mesmo assim a viabilidade dessa ferramenta estava comprovada. Os sucessos se tornaram mais frequentes à medida em que os cirurgiões ganharam experiência e as drogas imunossupressoras foramaprimoradas . Operíodo de sobrevida pós‐operatória aumentou parameses e, pos‐ teriormente, para anos, ao mesmo tempo em que uma va‐ riedade de órgãos e tecidos começou a ser transplantada com sucesso. Em1973 realizou‐se o primeiro transplante demedula óssea bem sucedido de um doador sem parentesco com o receptor, emNova York, e em1988 o primeiro transplante de nervo ciático permitiu que ummenino voltasse a andar depois de um acidente. Em 1983 o transplante de órgão sofreu uma revolu‐ ção quando a ciclosporina foi isolada de um fungo que crescia em solo norueguês. Os procedimentos de trans‐ plantes que antes tinham uma alta taxa de fracasso tor‐ naram‐se imediatamente viáveis com essa droga imu‐ nossupressora. Vieram transplantes de outras partes do corpo, como mãos, pés. E até face. E a saga da cirurgia de transplantes continua sua caminhada até nos dias de hoje, nos passos da medicina. ● Revista DIÁRIO - Abril 2016 - 21 ViverBem DoutorCláudioLeão, clínico geral Doutor Cláudio Leão, Clínico geral e coordenador da Unidade de Terapia Intensiva do Hospital São Camilo. A saga dos transplantes

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