Revista Diário - 18ª Edição
Q uando PedroMotta, Nino Martins e pouco mais de 227 sobreviventes dos 250 prisioneiros que partiram do Rio de Janeiro alcançaram Oiapoque, depararam-se comuma região inóspita, in- festadapordoençasmortais, recortadapor igarap±s e rios, e cercada por densa ϐlo - resta. Para chegar ao campo de concentra- ção, em Clevelândia do Norte, os presidiários desciam no porto Caiena, na Guiana Francesa, imediatamente eram trasladados para o navio ‘Oyapock’, de menor calado, eprosseguiamviagemrumo a Santo Antônio, onde desembarcavam e seguiam a p± pela ϐloresta, atravessando igarapés epântanos, numa caminhadaque às vezes duravade um a dois dias, depen- dendo do tempo. Não eram somente presos paulistas e cariocas os ocupantes da famigerada pri- são. Condenadosde várias cidadesbrasilei- ras e servidores públicos, dentre os quais militares das Forças Armadas, foram des- terradosparaClevelândia. Por exemplo, em uma reportagem publicada em 12 de ja- neirode1927, o jornal OCombate (PR) vei- culaa entrevista de um expresidiário de Clevelândia do Norte – possivelmente um ‘tenentista’. Namatéria, eledescreve sua via crúcis desde a prisão, em Catanduvas, até os últimos dias no Oiapoque, em 1927. Aϐirma que da prisão, em atanduvas, ca - minhou 12 dias até à cidade de Irati, onde embarcou emumtrempara o porto de Pa- ranaguá. Noporto, apresentaram-noà tripulação donavio ‘Cuyaba’, de onde foi transportado para o Rio de Janeiro. Na capital da Repú- blica, ele e outras dezenas de presos em- barcaram no navio ‘Caxambu’, onde se juntarama ‘150 ladrões, assassinos e vaga- undosǯ, segundo aϐirma. Ap×s quase um mêsde viagem, chegaram à Colônia Penal de Clevelândia do Norte. No presídio, en- contraram‘de tudoquanto sepossa imagi- nar de hostil enocivo àhumanidade’, diz. E ϐinaliza narrando sore as epidemias e mortes dos presos e o tratamento dos en- fermos: “(...) o médico, Dr. Joaquim Paulo, maispareciaumanjodamorte”, comparou. E mapenas 18meses, o ‘presídio de Clevelândia’ já comportava quase dois mil e quinhentos prisioneiros. Amaioria, opositores de Arthur Bernardes, cujo governo atingiu níveis de brutalidade somente comparada ao que viria ocorrer anos mais tarde na Alemanha nazista, a 10.252 quilômetros de Oiapoque. Acorrentados uns aos outros, os presos eram constantemente brutalizados pelos carcereiros, metidos em aloja- mentos insalubres, mal alimentados e forçados a trabalhos extenuantes. Segundo o pesquisador Edson Machado de Brito, autor de alentados estudos sobre o assunto, durante os dois anos de funcionamento no Brasil do único campo de extermínio de prisioneiros políticos e criminosos co- muns, centenas de seres humanos foram impiedosamente supliciados e assassinados por agentes do governo. Outras centenas contraíramdoen- ças extremamente letais como leishmaniose e hanseníase. “Há relatos de que poucomais de duas centenas conseguiram sobreviver”, assinala Brito. Ainda conforme o especialista, “(...) quando a imprensa brasileira se empenhou nos debates sobre o presídio de Clevelândia do Norte, um as- pecto que foi exaustivamente explorado por todos os grupos políticos envolvidos nas lutas sociais foi uma determinada visão sobre o Oia- poque. As denomi- nações mais comuns para se re- ferir à região eram: 'Inferno Verde', 'Si- béria Brasileira', 'Jardim dos Suplí- cios', 'Desterro da Peste e da Morte' e ‘Selvas Pestilentas', entre tantas ou- tras O . jornal O Combate, na edi- ção do dia 7 de ja- neiro de 1927, refere-sea Oiapo- que da seguinte maneira: 'A insalu- bridade do seu solo, todo panta- noso, só permite nelle viver os cabo- clos de origem, jaaffeitos as febres e ao impaludismo (...) Uma terra que Deus esqueceu.'”
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