Revista Diário - 4ª Edição - Fevereiro 2015

C omeçou a Quaresma? Não sei. An‐ tigamente era período religioso fi‐ xo que se iniciava na Quarta‐feira de Cinzas. Hoje, depende. Na Bahia nin‐ guém sabe bem quando acaba o Carna‐ val e, se o Carnaval não acaba, não co‐ meça a Quaresma. No Maranhão, a Quaresma verdadei‐ ramente só começa depois do “lava pra‐ tos” na igreja de São José do Ribamar, o santo padroeiro do estado, no domingo após o Carnaval, quando se reúnem to‐ dos os blocos e foliões, entre ressacas e devoções. No Amapá, o anúncio é feito nas missas. Nos Estados Unidos, de onde chega‐ ra o doutor Armínio Fraga, então presi‐ dente do Banco Central, não há Quares‐ ma porque não existe Carnaval. Em Ve‐ neza há um Carnaval lerdo, mas, como é tradição na Itália, na quarta‐feira os si‐ nos tocam em dobrados de tristeza cha‐ mando os fiéis às cinzas. No Brasil muitas vozes pedemque di‐ minua esse espírito de Carnaval perma‐ nente, mas a tendência é as quaresmas eventuais diminuírem. Afinal, o Carnaval é a preparação dos cristãos, permitindo‐lhes uma concentra‐ ção de alegrias, para enfrentar os 40 dias bíblicos de Moisés e Jesus Cristo, no de‐ serto, mergulhados em oração e sofri‐ mento, para chegar à Semana da Paixão. E as cinzas? São o simbolismo da dor, conforme os textos sagrados. Tamar, quando violentada por Amnom, rasga as vestes e passa “cinza na testa”. O rei de Nínive, avisado pelo profeta Jonas da destruição da cidade, dei‐ ta‐se “sobre cinzas”. As cinzas sempre lembram o infor‐ túnio e o destino do homem: o pó, o nada. E nadamais ausente do espírito carnavalesco do que a lembrança da morte. O Carnaval tem o dom de fazer esquecer tristezas. O país, nessa época, tira férias. As férias não só do trabalho, mas de suas preocupações e problemas. É tem‐ po de tréguas. Não há governo nem opo‐ sição, nem Bolsa, nem dólar, nem reces‐ são, nem inflação. Se os governos durassem os dias de Carnaval, seriam lembrados como os me‐ lhores governos, justamente porque no tempo de Carnaval a sensação geral é de falta de governo. O poder é exercido dire‐ tamente pelo povo nas ruas, numa mani‐ festação de poder anárquico. Afonso Arinos dizia que não se podia falar de poder sem pensar em pessoas. Esse é mais um fenômeno na área da so‐ ciologia do que na da ciência política. O poder é um grupo de pessoas que fala em nome de todos. Senti isso quando ouvi uma passista de escola de samba dizer na TV, banhada em felicidade: “Hoje é meu dia. Eu mando e desmando, sou rainha, posso tudo, sou do‐ na demime de todos”. Para concluir: “Dura pouco, mas sou total”. Esse é o espírito do poder total da ale‐ gria. Nada mais democrático do que um dia de Carnaval; ninguém é rico nem po‐ bre, nem chefão nem comandante. Todos estão nivelados por uma força interior de busca da felicidade momesca. Como em tudo, a porta da perdição é mais larga do que a da salvação. Alguns em busca do Carnaval que in‐ vade e se prolonga na plenitude de todos os gostos. Agora, com ou sem Carnaval requentado, é enfren‐ tar a Quaresma, tempo de meditação. E o Brasil está precisando muito de muita meditação, de preces e in‐ dulgências. ● Revista DIÁRIO -Março 2015 - 16 Senador daRepública JoséSarney ARTIGO Como em tudo, a porta da perdição é mais larga do que a da salvação. Alguns em busca do Carnaval que invade e se prolonga na plenitude de todos os gostos. Agora, com ou sem Carnaval requentado, é enfrentar a Quaresma, tempo de meditação. E o Brasil está precisando muito de muita meditação, de preces e indulgências. O Carnaval é a preparação dos cristãos, permitindo-lhes alegrias, para enfrentar os 40 dias deMoisés e Jesus, no deserto. Expiação ➹ Ex-presidente do República, senador pelo Amapá, membro da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa;escreve no Diário do Amapá, todos os domingos Tempo de orações

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