Revista Diário - 8ª Edição - Junho 2015

Revista DIÁRIO - Julho 2015 - 21 F az tempo que sou tocada para escrever sobre o paradigma que envolve o que é tido como culto e o que a cultura po‐ pular produz. Fui ao baile da banda Sayonara, que completava 55 anos de carreira. Então, fi‐ quei mais à vontade pra escrever sobre isso, pois dancei, cantei e me diverti muito. E o melhor: rememorei os idos tempos de mi‐ nha faculdade em que toda sexta‐feira nos reuníamos na universidade (UFPA) pra dan‐ çar forró, brega e debater sobre a produção de cultura popular, chegando ao ponto de aquela turma ir ao Palácio dos Bares, um bar brega na orla do rio Guamá, pra ver co‐ mo as coisas corriam por lá (levávamos ao debate nossa patrulha do conhecimento, co‐ mo se não quiséssemos ir pra lá. Rsrs). O brega dançado nos guetos (a mãozinha torta e os olhos fechados do casal) pra mim é um encanto. No interior do nosso estado sempre foi uma dança séria e respeitosa. Fa‐ ço agora uma confissão: nas festas do inte‐ rior, quando ia comminha família fogueteira (uma família escolhida pelo povo pra patro‐ cinar os fogos das festas religiosas), ficava irada. Minha mãe, uma morena magra e bo‐ nita na época, pra conter o ciúme do meu pai, recusava a dança e falava: não poderei dançar mais, pode dançar com minha filha: euzinha, a mais velha, pois as outras irmãs eram pequenas. Rsrs. Nessas retrancas da vida aprendi a res‐ peitar e me divertir nas rodas populares. Tomei o gosto pela dança (confesso que amo isso) e a olhar com ternura essas fes‐ tas de interior, mas nem sei se ainda é as‐ sim, porém qualquer dança era séria e res‐ peitosa. E mais: aprendi por obra de meus avós e pais, a tomar café numa caneca de alumínio enferrujada com a mesma pompa e gratidão de uma taça do melhor cristal de espumante. Aí me pego pensando: ser brega é gostar do que caiu no gosto do povo? Porque não admirar a coragem de quem não está nem aí pra o que pode ser tachado como out (fo‐ ra e que não se rende ao apelo popular). Já pararam pra pensar sobre a coragem de se produzir cultura em um sistema em que tudo o que é tido como correto e cultu‐ ralmente sapiente e fora é geralmente dis‐ sociado do gosto popular? Quem poderá cri‐ ticar sem conhecer? Adoro museus, sou grata por poder ter conhecido a grande maioria dos mais fa‐ mosos do mundo; não troco um bom livro por um programa qualquer. Gosto de mú‐ sica clássica e pelejo e teimo em aprender violino. Hoje vou em defesa de qualquer produ‐ ção cultural e contra o preconceito: os gue‐ tos, as favelas e a história pedem passagem: viva o Marabaixo, as festas religiosas, o bre‐ ga da Sayonara. Salve a gengibirra (bebida feita com gengibre servida nas festas de ma‐ rabaixo): minha tia Zefa que o diga, com quase cem anos, lúcida e sempre nos dando lição de vida, não perde uma festa e adora a bebida. ● Juízadedireito ElayneCantuária ARTIGO Elayne Cantuária, Juíza e articulista do Jornal Diário do Amapá e Revista Diário A cultura tem o mesmo significado que o do conhecimento posto? Descobri-me dentro dessa patrulha cultural, sobre o que é belo, cult e correto, que sou essencialmente brega, por ser eclética no que gosto e admiro e, mais do que qualquer coisa, ser ávida por conhecer na raiz e, aí sim, poder adquirir o conhecimento de causa pra gostar ou não. Aplausos para a autenticidade ….

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