Revista Diário - 8ª Edição - Junho 2015

Revista DIÁRIO - Julho 2015 - 54 E mumpaís com índices de violência es‐ tarrecedores como o Brasil, achei cu‐ riosa a quantidade de debates em tor‐ no da redução damaioridade penal. Digo is‐ so simplesmente porque boa parte da popu‐ lação parece não se importar coma crescen‐ te quantidade de projetos de lei sem nexo, propósito, valor ou qualquer respeito à Constituição do país, gerando polêmica ape‐ nas em torno de ideias que enfrentam os reais desafios da Nação. Não é difícil identificar leis estaduais ou municipais que ousam tratar de temas que só podem ser regrados pela União, desres‐ peitando a denominada “organização do Estado brasileiro” e gerando várias leis inconstitucionais. Ora, se aConstituição é expressa ao afirmar quemunicípios estão proibidos de le‐ gislar sobre trânsito e transporte, não se pode compreender a razão para tantos projetos sobre o tema apresentados por vereadores. Domesmomodo, leis estaduais não podemtratar deDi‐ reito Civil, visto que só a União está autorizada pela Consti‐ tuição a produzir normas sobre esse assunto, mesmo assim anualmente várias assembleias legislativas insistememcui‐ dar do tema em projetos inconstitucionais. Em um país pobre, desprovido de boa educação e onde a saúde é problema e não remédio para os males mais do‐ lorosos da condição humana, não se pode perder tempo de‐ batendo e estudando qualquer sorte de tolice ou retrocesso. Ainda que tal raciocínio pareça simplório é constantemente vilipendiado por parlamentares portadores de três graves doenças: o “complexo de João Batista”; a “síndrome de Papa sem batina” e o incontrolável “instinto de babá”. O complexo de João Batista conduz vários legisladores a nominar compulsivamente ruas, praças, estádios e pré‐ dios públicos (mesmo quando já possuemnome próprio sa‐ bido e reconhecido pela população). Desfazer homenagens dando novos nomes aos bens públicos revela dois proble‐ mas igualmente crônicos: desrespeito à his‐ tória e ausência de novas obras públicas vul‐ neráveis ao batismo parlamentar. Outro problema grave do legislador bra‐ sileiro é o “complexo de Papa”, uma estranha doença que tenta canonizar diversos cida‐ dãos com títulos, honrarias e ainda pode ser diagnosticada em uma forma mais grave: “criador de dias não santos”. Apenas para exemplificar, no ano passado foi aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada pela Presidente da República e publicada no Diá‐ rioOficial a Lei federal número13.050/2014 que cria o “DiaNacional doMacarrão”. Contra esse absurdo nenhum protesto foi registrado pelas corpo‐ rações policiais ou pela mídia. Aderradeira e incurável enfermidade diagnosticada nos parlamentares brasileiros é seu instintode babá da vida pri‐ vada do eleitor, que lhe remete a criar debates sobre ques‐ tões extremamente íntimas como a sexualidade ou atémes‐ mo seus hábitos alimentares. Não são incomuns as pelejas entre deputados sobre cartilhas comdetalhadas explicações sobre dadas práticas carnais e tambémnão causamespanto leis estaduais como a capixaba 10369/15 que proíbe salei‐ ros nas mesas de restaurantes, sob pena de mais de mil e trezentos reais demulta, um legítimo e enfadonho absurdo! Triste recordar que neste mesmo continente surgiu na pena do incomparável Gabriel García Márquez o estilo lite‐ rário inconfundível do “realismo mágico”, agora, após o se‐ pultamento do célebre colombiano, nossos parlamentares nos brindam com uma nova arte de escrever: o “realismo trágico”. Nele descrevemos o absurdo com lucidez, andamos na contramão do mundo e lutamos contra aquilo que pre‐ cisamos, abraçando com amor aquilo que é inútil. Em tempos de “realismo trágico” o crescimento político de correntesmais pragmáticas e voltadas à eficiência do Es‐ tado é uma luz de esperança nesta grande “Macondo”, con‐ denada por mais de cem anos de solidão. ● Procurador doEstado DiegoBonilla Umpaísdeleisabsurdas eas estranhasdoenças parlamentares Diego Bonilla, Procurador do Estado e articulista da Revista Diário ARTIGO Em tempos de “realismo trágico” o crescimento político de correntes mais pragmáticas e voltadas à eficiência do Estado é uma luz de esperança nesta grande “Macondo”, condenada por mais de cem anos de solidão.

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