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ARTIGO

JoséSarney

Ex Presidente da República

Bush, meio

1

amigo

J

orge Amado, numa das centenas de conversas que

tivemos ao longo da vida, nas quais ele não deixa–

va de colocar uma pitada de humor, contou um

encontro com Neruda. Jorge perguntou-lhe por um

companheiro de geração,

e

ele respondeu: "Não me

pergunte por ninguém, Jorge. Todos já morreram".

Agora, com a morte do Bush, eu me pergunto pe–

los companheiros do tempo em que fui Presidente.

Lembro-me de Andrés Pastrana, Andrés Pérez, Hel–

mut Schmidt, Mário Soares, Shimon Peres, François

Mitterrand

e

tantos. Agora foi a vez de George

H.

W.

Bush, o Bush pai.

Conheci George Bush nas Nações Unidas. Eu

era delegado do Brasil em uma conferência. O em–

baixador Sérgio Frazão levou-me a um jantar ofe–

recido

à

Delegação brasileira por Bush, então em–

baixador dos Estados Unidos na ONU. Foi uma reu–

nião formal. Guardo a memória dos belos quadros

de pintores célebres americanos, daqueles retratos

em que eles carregavam no vermelho das faces. Ad–

mirei-me da coleção tão grande: eram, disse-me, da

National Gallery.

Depois, já Presidente, fui em visita oficial aos Es–

tados Unidos. Ele era vice de Ronald Reagan. Tivemos

um café de trabalho, eu acompanhado por Ricúpero,

Sayad, Abreu Sodré

e

Funaro. Os americanos queriam

reverter a posição do Brasil de ter saldos positivos na

balança comercial. Explicamos que eles tinham sido

campeões durante mais de cem anos. Os meus acom–

panhantes técnicos ficaram irritados,

e

a reunião aze–

dou, sobretudo pela participação de James Baker, que

' '

Nósnos

encontramos

ainda nas

recepções

oficiais, inclusive

elepresidindo a

sessão do

Senadoem

que

fui

homenageado.

era secretário de Tesouro. Bush sentiu que não podía–

mos prosseguir, pediu-me desculpas

e

disse que tinha

um compromisso no Senado. Saímos, todos com cara

de meninos amuados.

Nós nos encontramos ainda nas recepções oficiais,

inclusive ele presidindo a sessão do Senado em que fui

homenageado.

Depois, ele tornou-se Presidente,

e

tivemos muitos

encontros. Alguns deles bons, outros não tanto. Ele in–

sistia em falar da Amazônia,

e

eu acabei lhe lembrando

que os próprios americanos, com a Amazon River Cor–

poration, haviam projetado sua devastação, evitada pe–

la população de Belém do Pará, que não deixou passar

seu navio. Ele não gostou, nem eu. No sepultamento do

imperador Hirohito, do Japão, num frio insuportável,

tivemos outra conversa azeda.

Mas esses encontros difíceis foram exceções. Aúl–

tima vez, nos 200 anos da Revolução Francesa, Mitter–

rand, que tinha um irmão muito ligado ao Brasil, pres–

tou-me uma homenagem

e

colocou-me a sua esquerda,

e

a sua direita sentou Bush. No imenso salão, entre os

chefes de Estado de mais de 150 nações, estava o filho

da Dona Kyola, de Pinheiro.

Com a morte do Bush, recordei todos os nossos en–

contros, mas o balanço que faço é de um excelente po–

lítico, educado

e

cativante, que falava pouco

e

era gentil

com as pessoas. Nos meus últimos anos de Senado sen–

ti

que devia sair da política militante, porque meus dis–

cursos eram quase só panegíricos dos políticos, inte–

lectuais

e

meus amigos que morriam. Lembrei-me de

Jorge Amado. Todos já morreram.

Ex Presidente da República, ex senador pelo Amapá

Membro da ABL eda Academia de Ciências de Lisboa: escreve para o

Sistema Diário de Comunicaçiio

Revista

DIÁRIO

-

Edição 29-

29