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A

Folha publicou que Machado de As‐

sis foi recusado por três das maio‐

res editoras do país e esquecido

por outras três. Precisava o jornal pesqui‐

sar até onde os escritores sobrevivem.

Machado de Assis não passou no teste

mercadológico. Acho que nada no mundo

vai acabar com autores e o livro. Ele é

uma das mais perfeitas descobertas tec‐

nológicas do homem.

Pode‐se ler na cama e no banheiro. Co‐

mo levar um computador a esses lugares?

Pode‐se, mas não é nada confortável nem

desejável. Ao meu ver, o que vai assegurar

a sobrevivência do verdadeiro livro é a

poesia. A poesia não tem mercado, logo

não vai ter pesquisa de mercado. O poeta

não escreve pensando em ganhar milhões

nem de leitores nem de dólares. A poesia,

como diz o poeta português Armando

Carvalho, "é uma forma de um lento sui‐

cídio". Ela salvará os escritores e os livros.

Borges também seria recusado, diz um

escritor argentino. Os livreiros brasileiros

afastaram Machado de Assis porque "o

parecer de uma comissão de leitura não lhe foi favorá‐

vel", e uns estimularam: "Desejamos sorte nos seus fu‐

turos contatos". Outro foi mais longe: "Gostaríamos que

você nos enviasse seu endereço". Machado responderá:

"Desde o dia 21 de abril, no cemitério São João Batista,

mausoléu da Academia Brasileira de Letras". Saramago

pediu, na Bienal do Livro, que se estimulasse o hábito

da leitura. Ele sabia do que falava, porque alguns dos

seus livros precisam mais do que hábito,

uma possessão pela leitura. Certo dia, en‐

trei no plenário vazio do Senado para

marcar minha presença no ponto eletrô‐

nico. Estava um grupo de crianças de uma

escola primária visitando.

A guia dizia: "Aqui é o lugar de reu‐

nião dos senadores". Um menino mais

curioso perguntou: "Quem é aquele ho‐

mem que está ali?". Referia‐se ao busto

de Ruy Barbosa, entronizado na sala.

Responde a moça: "É Ruy Barbosa, patro‐

no do Senado, notável escritor". E per‐

guntou: "Alguém sabe de que Estado era

Ruy Barbosa?". "Sei, sim senhora." "Qual

é?" "Do Estado Unidos." "Não, meu filho,

ele era da Bahia", disse a guia, benevolen‐

te. Saí de mansinho, matutando: esse me‐

nino vai longe, já está no contexto. Num

programa para jovens, na televisão, tam‐

bém indagaram quem era Guimarães Ro‐

sa, e a resposta veio rápida: ‐ Grande

compositor de "Chão de Estrelas'". Afon‐

so Pena Júnior contava que veio de Minas

para o Rio, no famoso trem noturno, ma‐

ravilha do princípio do século, e, depois da intimidade

de uma longa viagem, deu‐se a conhecer para seu vi‐

zinho de cadeira: "Sou Afonso Pena Júnior". E o inter‐

locutor, atônito: "Ué, gente, vai ver que é parente do

Antônio Júnior, dono da mercearia do bairro onde eu

moro". "Exatamente", respondeu o velho, com fino hu‐

mor, "primos‐irmãos". É. A hora não está para Macha‐

do. A onda é Chico Lopes.

Revista

DIÁRIO

- Novembro 2015 -

28

Senador daRepública

JoséSarney

ARTIGO

O livro não

precisa de

energia, não

precisa ligar e

desligar. Cai e

não quebra.

Pode ser aberto

e fechado em

qualquer página,

sem nenhuma

palavra-chave.

Pode ser levado

para qualquer

lugar. Tem todos

os programas

imagináveis, do

conhecimento à

ficção.

Ex-presidente do República, senador pelo Amapá,

Membro da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa;escreve no Diário do Amapá, todos os domingos

Machado

não está

comnada