Revista
DIÁRIO
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Edição 19
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19
campo de concentração no Oiapoque
Ex presidiário
denuncia atuação do
‘Anjo daMorte’
Q
uando PedroMotta, NinoMartins e
pouco mais de 227 sobreviventes
dos 250 prisioneiros que partiram
do Rio de Janeiro alcançaram Oiapoque,
depararam-se comuma região inóspita, in-
festadapordoençasmortais, recortadapor
igarapés e rios, e cercada por densa flo-
resta. Para chegar ao campo de concentra-
ção, em Clevelândia do Norte, os
presidiários desciam no porto Caiena, na
Guiana Francesa, imediatamente eram
trasladados para o navio ‘Oyapock’, de
menor calado, eprosseguiamviagemrumo
a Santo Antônio, onde desembarcavam e
seguiam a pé pela floresta, atravessando
igarapés epântanos, numa caminhadaque
às vezes duravade um a dois dias, depen-
dendo do tempo.
Não eram somente presos paulistas e
cariocas os ocupantes da famigerada pri-
são. Condenadosdevárias cidadesbrasilei-
ras e servidores públicos, dentre os quais
militares das Forças Armadas, foram des-
terradosparaClevelândia. Por exemplo, em
uma reportagem publicada em 12 de ja-
neirode1927, o jornal OCombate (PR) vei-
culaa entrevista de um expresidiário de
Clevelândia do Norte – possivelmente um
‘tenentista’. Namatéria, eledescreve suavia
crúcis desde a prisão, em Catanduvas, até
os últimos dias no Oiapoque, em 1927.
Afirma que da prisão, em Catanduvas, ca-
minhou 12 dias até à cidade de Irati, onde
embarcou emumtrempara oportode Pa-
ranaguá.
Noporto, apresentaram-noà tripulação
donavio ‘Cuyaba’, deonde foi transportado
para o Rio de Janeiro. Na capital da Repú-
blica, ele e outras dezenas de presos em-
barcaram no navio ‘Caxambu’, onde se
juntarama ‘150 ladrões, assassinos e vaga-
bundos’, segundo afirma. Após quase um
mêsde viagem, chegaram à Colônia Penal
de Clevelândia do Norte. No presídio, en-
contraram ‘de tudoquanto sepossa imagi-
nar de hostil e nocivo à humanidade’, diz. E
finaliza narrando sobre as epidemias e
mortes dos presos e o tratamento dos en-
fermos: “(...) o médico, Dr. Joaquim Paulo,
maispareciaumanjodamorte”, comparou.
Governo federal
financia
genocídio
no Oiapoque
E
mapenas 18meses, o ‘presídio de Clevelândia’ já comportava quase
dois mil e quinhentos prisioneiros. Amaioria, opositores de Arthur
Bernardes, cujo governo atingiu níveis de brutalidade somente
comparada ao que viria ocorrer anos mais tarde na Alemanha nazista, a
10.252 quilômetros de Oiapoque. Acorrentados uns aos outros, os presos
eram constantemente brutalizados pelos carcereiros, metidos em aloja-
mentos insalubres, mal alimentados e forçados a trabalhos extenuantes.
Segundo o pesquisador Edson Machado de Brito, autor de alentados
estudos sobre o assunto, durante os dois anos de funcionamento no Brasil
do único campo de extermínio de prisioneiros políticos e criminosos co-
muns, centenas de seres humanos foram impiedosamente supliciados e
assassinados por agentes do governo. Outras centenas contraíram doen-
ças extremamente letais como leishmaniose e hanseníase. “Há relatos de
que poucomais de duas centenas conseguiramsobreviver”, assinala Brito.
Ainda conforme o especialista, “(...) quando a imprensa brasileira se
empenhou nos debates sobre o presídio de Clevelândia do Norte, um as-
pecto que foi exaustivamente explorado por todos os grupos políticos
envolvidos
nas
lutas sociais foi
uma determinada
visão sobre o Oia-
poque. As denomi-
nações
mais
comuns para se re-
ferir à região eram:
'Inferno Verde', 'Si-
béria Brasileira',
'Jardim dos Suplí-
cios', 'Desterro da
Peste e da Morte' e
‘Selvas Pestilentas',
entre tantas ou-
tras. O jornal O
Combate, na edi-
ção do dia 7 de ja-
neiro de 1927,
refere-sea Oiapo-
que da seguinte
maneira: 'A insalu-
bridade do seu
solo, todo panta-
noso, só permite
nelle viver os cabo-
clos de origem,
jaaffeitos as febres
e ao impaludismo
(...) Uma terra que
Deus esqueceu.'”