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Revista

DIÁRIO

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Edição 19

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17

R

io de Janeiro, março de 1925. Acampanadosnas pro-

ximidades da praçaMauá, agentes federais observam

atentamente as atividades do jornalista, tipógrafo e

agitador político José Maria Fernandes Varella, 25 anos, que

ziguezagueavadeumladoaoutro, distribuindoaos transeun-

tes exemplares do jornal anarquista A Plebe, fundado em

1917pelo jornalistaEdgardLeuenroth.Militantedesenvolto

na capital da República, Varella ganhou notoriedade ao de-

fender em público a imediata deflagração de um confronto

armadocontraas forçasdogoverno federal para implantação

de uma ‘ditadura do proletariado’.

Para ele, emuma sociedade desprovida de Estado, a pro-

dução e o gerenciamento das riquezas seriam estipulados

por meio de ações cooperativas. Assim, defendia Varella,

todos alcançariam condições de ter uma vidaminimamente

confortável e ninguém teria sua força de trabalho explorada

embenefíciodeumterceiro. “Dessa forma, aviolência e ami-

séria dariam lugar para um novo mundo regido pela felici-

dade da amplamaioria”, pregava.

Esse discurso utópico, amplamente difundido por meio

de reuniões clandestinas ou pelas páginas dos jornais anar-

quistas, incomodava, sobretudo, opresidenteArthurBernar-

des. Eleito sob forte instabilidade política, Bernardes tratou

de intensificar a perseguição aos opositores. Em 30 de de-

zembro de 1924 sanciona a Lei nº 2.034 e cria sua própria

polícia política, a Delegacia de Ordem Política e Social

(Deops), destinada a reprimir delitos ‘ameaçadores’ à segu-

rança do Estado. A partir daí, o governo federal desenvolve

um grande aparato para monitoramento das atividades de

qualquer cidadão ou de grupos considerados ‘potencial-

mente perigosos à ordem vigente’. Bastava o indivíduo ser

jornalista, tipógrafo, livreiro, editor ou professor para virar

suspeito no Deaops.

José Varella era umdeles. Durante o cerco policial a uma

pequena gráficanoCentrode SãoPaulo, épresoemflagrante

sob a acusação de ‘subverter a ordem vigente’. Fichado, in-

terrogado e torturado, é transferidopara a Polícia Central do

Riode Janeiro, onde já se encontravamdois conhecidos seus:

o também jornalista e tipógrafo cearense Pedro Augusto

Motta, e o gráfico gaúcho Nino Martins, ambos renomados

anarquistas e igualmente investigados e capturados pelos

agentes do Deops.

Após violentos interrogatórios, os três esquerdistas foram

trancados em celas separadas.

Comavidaporumfiodevidoaos espancamentos eauma

doença crônica no estômago, Varella decide escrever para a

mulher relatando seu delicado estado de saúde. “Ninguém

no mundo me conhece melhor do que vosmecê; portanto, é

só vosmecê que eu julgo capaz de conhecer de perto a gran-

deza de meus sentimentos e ideaes. As miserias por que

tenho passado estes dois ou tres meses, ultrapassou (sic) os

limites da minha estrutura organica. O meu todo physico é

demasiadodebil paraaodysséaantipodaás leisdoprogresso.

Na minha vida não tenho um só acto que não esteja de ac-

cordo com a minha dignidade – sigo sempre os impulsos e

estes emmimemergemdo cerebro e do coração. Vivo como

penso, eis tudo.”

Algumas semanas depois, José Maria Fernandes Varella,

Pedro AugustoMotta, NinoMartins e outros 247 presos po-

líticos e criminosos comuns (operários, anarquistas, traba-

lhadores desempregados, alguns estrangeiros emilitares de

baixa patente) foram arrancados de suas prisões, enfiados à

forçanosporõesdonavioavapor ‘Campos’, fundeadonaBaía

de Guanabara, e desterrados para a Colônia Penal de Cleve-

lândia do Norte, extremo norte do Amapá, uma espécie de

campo de extermínio criado por Arthur Bernardes.

No curso da longa viagem, os prisioneiros sofreramcon-

tínuas torturas emaustratos.Muitos não resistiramà violên-

cia extrema e sucumbiram. JoséVarella foi umdeles. Afetado

pela grave doença e pelas sevícias, morreu sem realizar o

sonhode construir uma sociedade ‘semviolênciaoumiséria’,

‘regida pela felicidade da amplamaioria’.

Agitador é

aniquilado

pela polícia

política