O jornal norte-americano New York Times publicou matéria na
“Era inevitável”, relata
sobreviventeda tragédia
Segundo a lista da Capitania
dos Portos do extintoTerritório Fe-
deral do Amapá, cerca de 650 pes-
soas embarcaramnoNovo Amapá,
e menos de 180 puderam sobrevi-
ver. “Muita gente diz que foramdu-
zentas e poucas pessoas que
sobreviveram. Isso não é verdade”,
contradiz dona Creuza Marques
dos Reis, sobrevivente hoje com66
anos. Dona Creuza embarcou com
sua filha e a neta. Somente ela e a
neta de um ano e meio sobrevive-
ram. Atualmentemorando emSan-
tana, tem como sustento um
estabelecimento comercial diversi-
ficado. Sobrevivente, Armando da Silva
Batista conta que uma das causas
das inúmeras mortes terem ocor-
rido foi o auxílio dos salva vidas.
“Essas pessoas que pegaram os
salva vidas morreram quase todas
porque dormiram e aquilo atrapa-
lhou; não sabiam o que estava
acontecendo”, disse.
Funcionário de empresa que
vendia utensílios de cozinha para
toda a região do Amapá, Armando
viajava frequentemente em época
de pagamentos, para fazer cobran-
ças, acompanhado do colega
Edson. Momentos antes da tragé-
dia ambos haviam se separado.
“Como a área das redes estava
muito quente, disse pro meu co-
lega que ia para o andar de cima e
quem sabe só retornar de manhã”,
relatou. Ao ser perguntado sobre o mo-
mento emque o barco tombou, Ar-
mando contou com detalhes:
“Levei uns 15 minutos pra chegar
à cabine. Quando cheguei lá o co-
mandante mandou servir um café
pra mim, pro Roberto (amigo) e
duas meninas do Jari. Nos 15 mi-
nutos que cheguei lá, o barco deu
um tombo para um lado e um
tombo para o outro. Eu ainda per-
guntei pro Alvanir: ‘Alvanir, isso é
maresia?’. Ele disse: ‘Rapaz, por in-
crível que pareça, nessa região não
dá maresia’. Quando ele terminou
de falar, o barco tombou de uma
vez. Foi como uma virada de carro.
Inevitável”.
Buscando até mesmo com pre-
cisão a hora em que o barco tom-
bou, foi o que aconteceu com o
sobrevivente Enoque Magave da
Silva, policial militar que, minutos
antes do trágico tombo, conseguiu
ver as horas em seu relógio de
pulso: eram 20h45min. “Eu estava
com relógio no braço e vi as horas,
normalmente. Quando de repente
senti o barco virar lentamente.
Como estava deitado numa rede de
frente para uma senhora, fui um
dos primeiros a parar logo dentro
d’água na hora do tombo”, contou
Magave, que nomesmo ano do de-
sastre se casou coma sua atual es-
posa e ingressou na Polícia Militar.
A recém formada magistrada,
Kátia Isabel Andrade, era amiga
pessoal da tripulação, principal-
mente do comandante Manoel Al-
vanir e do proprietário Alexandre
Góes da Silva. “Tinha feito outras
viagens no barco e já conhecia o
pessoal”, disse Kátia, que ironizou
a tragédia momentos antes de
acontecer, na hora da jantar. “Eu
terminei de jantar e disse para pes-
soal na mesa que ia me banhar e
minhas colegas disseram: ‘Tu vai
morrer’, daí eu falei: ‘Não vou não.
Se não morrer agora, não morro
mais’. Daí fui pro banheiro, tomei
banho e voltei pro camarote (…)”.
Segundo Kátia, foi tão rápida a vi-
rada do barco que ela só percebeu
o que estava se passando quando
as luzes do camarote se apagaram
e que água circulava ao seu redor.
Revista
DIÁRIO
- Edição 19 -
14
Corpos
foram
sepultados
em covas
coletivas, no
município de
Santana.