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Usou o peixe para

falar dos homens.

Mas não falou do

robalo. Há um

besouro-robalo?Não

sei. Mas os besouros

que batemas asas na

política hoje são

muitos e demuitas

espécies. Eles podem

devorar as folhas da

democracia e destruir

as plantações.

De que família eles

são? Do besouro

"tenebrium", o que dá

emtempo de eleições.

Revista

DIÁRIO

- Edição 19 -

28

Ex-presidentedaRepública

ARTIGO

Ex presidente do República, ex senador pelo Amapá

Membro da ABL e da Academia de Ciências de Lisboa; escreve no Diário do Amapá, todos os domingos

N

ão sei por que me deu vontade de escre-

ver sobre a difícil arte dos besouros. To-

dos dizemque eles não podem voar, mas

voam. Suas asas são pequenas, seu corpo é pesa-

do e, pela gravidade, lei que vem da criação do

universo, elesnãodeveriamvoar. Daí,me fazpen-

sar nos políticos que tambémvoam, muitos sem

asas, rompendo a lei da gravidade emais gordos

e pesados que os besouros. Busco saber como

eles são eme perco entre o latime as espécies. É

o besourinho de praia, que vive nas areias e que

ataca os banhistas, quer deitados ou sentados. É

o dos fumos, que ataca as folhas do tabaco e des-

trói e acarreta grandes prejuízos às indústrias

que fazem a delícia dos fumantes. E o besouro-

verdadeiro, da famíliados coleópteros, lamelicór-

neos, destruidores de lavouras. Comoébommis-

turar latim e besouros, políticos e boticários, in-

setos e artigos de revista.

Conheci um velho, na Ponta da Ilha, fazenda

domeu sogro, que falava dos insetos como se fa-

lasse dos filhos. Conhecia-lhes os nomes, os ape-

lidos e suas artimanhas. "Obesouro-de-lima", di-

zia, "tema cor verde, passaparaoroxo, oamarelo,

muda e volta à cor, come folha de goiaba e faz o

que quer e o que não quer". Ele conhecia umbe-

souro grande, que dava nas palmeiras, roncava

de noite, dormia de dia e tambémtinha as artes de

botar mau-olhado e suspender as regras de moça

menstruada, quandoo esmagava nos pés. Meu avô

fazia rapé de besouro de coco-babaçu e a ele atri-

buía efeitos rejuvenescedores.

Jorge Luis Borges escreveu um livro sobre a

zoologia fantástica. Ele falou da "rêmora" à qual se

atribuía a faculdade de parar os barcos. Ali ele fala

do lobo-cachorro, descritopelomédicoCtesias, que

partia tudo, pedras e raios e emseguida os digeria.

Dizia ele que Plínio, no século 8, deu a esse animal

o nome de "crocota". Era assim, como os políticos

que engolem sapos, ou melhor, os bons políticos

que, sabendo que têm de engolir sapos, possuem

uma coleção de rãs em casa e toda manhã comem

uma, para habituar a garganta.

Mas começamos a falardosbesouros eestamos

nos crocotas e nos sapos. Os besouros saem para

voar contra as leis da natureza. Os políticos voam

para cumprir as leis da natureza. Eles fazem acro-

bacias fantásticas, esforços extraordinários para se

sustentar parados no ar e suas asas batem violen-

tas eprovocamsons queparecemsopros. Tudoar-

tes da sobrevivência. OPadreVieira fezumsermão

sobre os peixes. O peixe-voador, o peixe-pedra, o

peixe-de-quatro-olhos, tudopensandoemfalar so-

bre os mandões do seu tempo.

JoséSarney

A difícil arte dos

besouros