Entrevista
mesmo tempo de casamento com ela, com quem tive três
filhos, o mais velho (Tito) é delegado de policia, o do meio,
Fernando, é sociológico, e o mais novo, o Danilo, é admi–
nistrador de empresas. Se estivesse em qualquer outra ci–
dade grande eu já teria morrido. Aqui me abraçaram de
uma forma muito espetacular que nem na minha cidade
natal eu teria. Muito obrigado, Macapá, por ter me abra–
çado.
Luiz Melo - Arazão do convite para esta entrevista
é que e vi que você divulga muito e abertamente ima–
gens de todos altos e baixos da sua doença. Por quê?
César Bernardo - Onosso desconhecimento, a igno–
rância sobre o câncer no Amapá é quase total. Pra se ter
idéia, só em 2009 nós recebemos um único clínico onco–
lógico, o doutor Benjamim. O Amapá sempre me deu
atenção, sempre fui muito conhecido através dos meus
trabalhos, dos programas de rádio, no Diário do Amapá,
onde atuo como colaborador há 15 anos... Senti que com
minha dor, minha crítica pode ajudar muita gente; sei que
isso desagrada, machuca, principalmente a quem veste
alguma carapuça; há poucos dias eu estava no lOM (Ins–
tituto de Oncologia de Macapá) e uma senhora sentou ao
meu lado, e ela chorando muito disse que tinha que pedir
ajuda ao marido pra fazer cocô. Eu disse a ela que também
não consigo, pois tento dois, três dias limpar meu intes–
tino; não consigo e depois passo quatro dias direto no sa–
nitário. Agora imagine, tenho uma casa confortável, carro,
sanitário no quarto, e tem o cidadão ali na baixada, numa
bandola (casa rústica), quando está chovendo tem muita
goteira, cheiro de peixe, a retrete (WC) lá longe na ponte...
O sofrimento é muito grande... Precisamos ganhar o
tempo que perdemos, precisamos alertar para o câncer,
esclarecer sobre o câncer e buscar a cura da doença... Aqui
(no Amapá) saiu a nossa terceira turma de médicos, mas
ninguém quer a área de oncologia; o câncer precisa de en–
gajamento não só meu, que estou doença, de você, da sua
importância, todos precisam doar um pouco de si; a crí–
tica é fundamental, às vezes toca, machuca, mas é funda–
mental.
Luiz Melo: O que você diria às pessoas que nunca
passaram por essa situação e reclamam de todos os
problemas da vida?
César Bernardo - Que não tenham medo do sofri–
mento, não se esconda dos exames, do médico, dos remé–
dios, da sociedade. Se você tem pré diagnóstico de câncer,
prepara tua cabeça porque a primeira coisa que o câncer
vai exigir é de você próprio; o câncer vai exigir que você
tenha coragem de desafiá-lo, senão ele vai te matar rapi–
damente.
Luiz Melo - O câncer desencadeia reações devas–
tadoras na pessoa, no âmbito orgânico e emocional.
Gostaria que você falasse dos sentimentos, possíveis
desequilíbrios e dos conflitos internos que possa
estar enfrentando...
César Bernardo - São muitos... Minha neta, por exem–
plo, tem 16 anos, passa uma semana em casa, a porta do
quarto dela é daqui pra ali em relação à porta do meu
quarto, mas ela nem olha pra mim, diz que não quer me
ver do jeito que eu estou...Tenho que desabafar, mas às
vezes não deixam... Alguém botou dia desses nas redes
sociais que queria ver meu enterro e logo em seguida veio
outra pessoa e postou: "Seja forte, tenha coragem que
você não vai morrer agora. Pode ser que dure mais seu
sofrimento, mas você continua vivo''. São conflitos do dia
a dia... Eu não posso chegar chorando pra fazer a minha
quimioterapia e ficar perto de alguém que está em estado
terminal... Tem sido uma coisa terrível a quimioterapia,
pense num caminhão passando em cima de você bem de–
vagar, te amassando bem devagarzinho... Mas é o método
que salva a vida, tem salvado a minha... Até agora eu já fiz
42 sessões de quimioterapia... São 120 litros de remédios
pela veia, fora o que bebo de comprimidos, que são incon–
táveis, nesses sete anos e meio...
Luiz Melo -
É
uma luta constante, commuito sofri–
mento, e mesmo assim você não abre mão da vida?
César Bernardo - De jeito nenhum! Quando Deus nos
deu a vida foi pra lutarmos por ela; o meu compromisso
Revista DIÁRIO - Edição 27 -10